A falácia do “legado”

O jornalista Leonardo Sakamoto há algumas semanas em seu blog um texto no qual critica a insistente e ridícula atitude dos Comitês Olímpicos Brasileiro e Internacional em se considerarem donos da palavra “olimpíadas”, inclusive movendo ações judiciais a quem utilize o termo em competições educacionais como “Olimpíadas de Física” (ou matemática, história, etc). Mas não é isso que quero comentar; chamo a atenção a um trecho em específico que fala de um problema mais geral e que pode perfeitamente ser expandido não apenas para a Olimpíada do Rio em 2016, mas também para a Copa da FIFA de 2014 (e por que não, analogamente, para a Copa das Confederações de 2013):

É chover no molhado, mas não me canso de pensar o quão pa-té-ti-co é termos comemorado o fardo de receber as Olimpíadas, com cenas ridículas de autoridades em prantos. Pior, brigamos por isso. “Ah, mas os ganhos dos jogos ficam para a população!” Será que somos tão idiotas que precisamos de um evento esportivo para melhorar a estrutura e a formação esportiva do país? “Ah, mas vai trazer ganhos com o comércio!” Pesquisas já mostraram que o Carnaval dá mais retorno do que poderá trazer os Jogos. “Ah, mas isso enche de orgulho o brasileiro, que vai mostrar ao mundo que também é importante.” Putz, que dó do tal do brasileiro.

Enfim, o Coelhinho da Páscoa, o Papai Noel, o Saci Pererê e a Mulher de Branco prometeram que a população do Rio de Janeiro vai ganhar com as Olimpíadas mais do que se o montante de recursos fosse investido na cidade sem a realização dos Jogos.”

Recentemente a cada imagem de aeroporto lotado, trânsito caótico, serviços mal prestados sempre tem alguém para lançar mão do já famoso bordão: “imagina na Copa” (pode ser que haja uma variante adicional no Rio, “imagina na Olimpíada”). O fato é que a preocupação com a a infraestrutura das cidades sede desses eventos e sua capacidade de absorver adequadamente o influxo de turistas já se tornou realidade nesses locais; porém, apesar dessa digressão, esse também não é o meu ponto.

O que eu quero chamar a atenção é para as frases que grifei em negrito no trecho do texto do Sakamoto (que, repito, podem ser aplicadas para todas as outras capitais no caso das Copas em 2013 e 2014). O discurso oficial de políticos, empresários, etc é justamente sobre as vantagens do “legado” que ficará para a população, dos benefícios que todos colheremos com as melhorias no transporte público, com a qualificação dos serviços, com o upgrade na infraestrutura das cidades sede, com o aumento na segurança. Ok, não tenho nada contra essas benesses; todavia, recuso-me a acreditar que praticamente tudo o que têm nos empurrado goela abaixo como “o legado que ficará” já não é uma obrigação do Estado que, inclusive, chegará com alguns (muitos) anos de atraso, dada a histórica incompetência do poder público no que concerne a qualidade dos serviços prestados à população.

Aplaudimos alegremente o “legado”, mas não nos damos conta que tal “legado” já deveria ter sido planejado e executado (ou pelo menos estar em execução, como agora) independentemente da realização de qualquer evento extraordinário que servirá basicamente de espetáculo televisivo às manadas teleguiadas.

O Papa é Pop? Talvez sim, mas também é estúpido

Mais uma vez, Joseph Ratzinger demonstra toda sua ignorância e seus preconceitos por meio de ideias que eu não hesitaria em chamar de perversas.

Vejam bem a mais nova sandice do “Bento XVI”. Segundo notícia do Estadão, em seu discurso anual de natal, proferido no dia 21/12 (sexta-feira), “Bento”

citou o rabino chefe da França ao dizer que a campanha para conceder direitos de casamentos aos homossexuais era “um ataque” à família tradicional composta de pai, mãe e filhos.

Fico sinceramente na dúvida… isso é pura estupidez ou é má-fé mesmo? Alguém consegue explicar qual a lógica por trás de dizer que garantir direitos básicos a uma parte minoritária e historicamente oprimida da população consiste em um ataque ao modelo tradicional e hegemônico da maioria da população? Não faz o menor sentido. Talvez o papa precise considerar que os sinais da senilidade já batem fortemente à sua porta.

Felizmente a sociedade avança; e senhores retrógrados como Ratzinger merecem ser relegados ( se não agora, ao menos futuramente) à irrelevância. Sim, a sociedade avança, e como disse Tiago Xavier em um texto do site Papo de Homem,

Não é a forma da união entre as pessoas que denota o avanço da sociedade. A sociedade avança na medida em que reconhece que não existe uma união intrinsecamente boa ou natural, e pára de meter o bedelho na forma como adultos irão buscar a felicidade.

Por fim, vale citar trechos de um texto do Deputado Jean Wyllys, publicado na Carta Capital, ao qual subscrevo:

 (…) o amor nunca poderia ser uma ameaça para a humanidade; antes, sim, uma salvação para os seus piores males, um antídoto contra os venenos que a intoxicam, uma vacina contra as doenças que a afligem. O papa está errado de cabo a rabo. Ele não entendeu nada mesmo.

Contudo, mesmo não entendendo, ele deveria ter um pouco de responsabilidade. Suas palavras têm poder, influência, entram na cabeça e no coração de milhões de pessoas no mundo inteiro. Ele poderia usá-las para fazer o bem. Em vez de dedicar tanto tempo e esforço a injuriar os homossexuais — eu confesso que não consigo entender o porquê dessa obsessão que ele tem com a gente — o papa poderia se colocar na luta contra os verdadeiros males que ameaçam, sim, a humanidade. Esses que matam milhões, que arruínam vidas, que condenam povos inteiros.

O perigo das leis “antiblasfêmia”

Semana passada li duas notícias que representam uma pequena amostra do que acontece quando o poder religioso se embrenha no funcionamento do Estado.

No Egito, Saber Aber foi condenado a três anos de prisão sob a acusação de blasfêmia e desprezo à religião. Sua prisão ocorreu em setembro após denuncia de que seria o responsável por postar no Facebook o famigerado projeto de filme chamado “A Inocência dos Muçulmanos”. Embora não tenha ficado provado que ele foi o autor da postagem, foram encontrados em seu computador materiais tidos como ofensivos a Maomé. Há alguns dias ele foi liberado, mediante pagamento de fiança, para recorrer da decisão em liberdade.

Em outro caso ocorrido há alguns meses, um indiano chamado Edamaruku Sanal foi processado por blasfêmia devido à apresentação de um programa de TV em que detonou um suposto milagre. Sanal demonstrou que a suposta água benta que gotejava em um crucifixo era, na verdade, infiltração proveniente da rede de esgoto. Quem o processou foi uma entidade chamada Catholic & Christian Secular Forum (C&CSF) com o apoio da cúpula da Igreja Católica na Índia. A fiança solicitada por ele foi negada pela justiça, e por isso ele fuigiu para a Finlândia, enquanto seus advogados negociam a sua volta para a Índia sem que seja preso. Joseph Dias, representante da C&CSF, disse que desistiria do processo, desde que o cético peça desculpas, coisa que ele não pretende fazer. A Índia, apesar de ser um país formalmente laico, possui uma lei “antiblasfêmia”. Segundo a C&CSF, a liberdade de expressão de Sanal não lhe daria o direito de menosprezar crenças religiosas, embora dificilmente o programa apresentado por Sanal pode ser considerado como um ato de menosprezo à crença cristã, uma vez que seu objetivo era simplesmente dar uma explicação natural para um fenômeno banal.

Apesar de casos como esses parecerem estar longe da nossa realidade, não podemos nos esquecer que o Brasil também tem seu próprio dispositivo “antiblasfêmia”. Vejamos o que diz o art. 208 do Código Penal:

“Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.”

Aí está, a nossa própria “Lei antiblasfêmia”. Não tenho nada a dizer sobre a questão de “impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso”; sendo a liberdade de crença e o livre exercício de culto direito garantidos constitucionalmente (inciso VI, art. 5º da CF), essa parte do art. 208 do CP me parece coerente. Todavia, vamos refletir um pouco sobre as duas outras partes que grifei em negrito.

Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa

Ora, como assim? Escarnecer nada mais é do que tirar um sarro, dar uma zombada, desdenhar. Por que deve haver um dispositivo no Código Penal que impeça as pessoas de serem alvo de escárnio devido sua escolha religiosa? Não deveriam as crenças de qualquer pessoas estarem disponíveis para tiração de sarro da mesma forma que estão o time do coração, o posicionamento político-partidária ou o gosto musical? Em uma democracia laica, qual o sentido de blindar dessa forma as posições religiosas?

vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso

Embora não seja uma palavra muito comum no vocabulário do dia a dia da maioria das pessoas, “vilipendiar” não é nenhum ato horrendo; trata-se somente de menosprezar em atos, gestos ou palavras, no caso o menosprezo seria direcionado a algum tipo de ato ou objeto de culto religioso (por exemplo, o ato de batizar pessoas em uma piscina ou objetos como estátuas que representem algum(a) santo(a)). Dentro das definições possíveis, também podemos falar em depreciar, desprezar, afrontar, ofender, insultar. Pois bem, não há motivos para defender a necessidade de ter um dispositivo no Código Penal que impeça o desprezo à bandeira de um determinado time de futebol, ou a ofensa verbal a algum estilo de dancinha característico de um tipo de música, ou o menosprezo ao símbolo de algum partido político. Mais uma vez lembrando que (supostamente) estamos em uma democracia laica, por que nos preocupar em proteger dessa forma atos ou objetos de culto religioso? Ressalto que não me refiro aqui, necessariamente, a atitudes tais como chutar despachos de candomblé, pisotear crucifixos ou queimar exemplares da Bíblia ou do Alcorão (embora, na minha opinião, nem esses tipos de ação deveriam ser necessariamente repreendidos); mas dada a amplitude do conceito de “vilipendiar”, não deixa de ser preocupante que demonstrar desprezo a algum objeto de culto religioso seja considerado crime.

Salvo engano meu, felizmente não há muitas notícias de aplicação frequente do art. 208 do CP em ações penais (se alguém conhecer exemplos, está convidado a postá-los nos comentários); entretanto, há que se pensar se é realmente necessário ter esses atos tipificados como crimes, até porque devemos ficar atentos para o avanço de representantes de setores religiosos para dentro da estrutura do Estado, setores estes que podem vir a utilizar o art. 208 do CP de uma maneira nada agradável.

Por fim, deixo registrado que não sei o que acontecerá com esse dispositivo na reforma do CP que está sendo discutida; não encontrei notícia sobre isso e agradeço caso alguém que tenha a informação compartilhe conosco nos comentários.

Religioso culpa falta de orações por massacre em escola nos EUA

Alguns religiosos conseguem nos surpreender pela capacidade de falar atrocidades até mesmo (ou talvez principalmente) em momentos de tragédia.

Após o massacre na escola Sandy Hook, em Newtown, Connecticut, que matou 26 pessoas, dentre as quais 20 eram crianças com idades entre 6 e 7 anos, um cristão conservador chamado Bryan Fischer declarou em seu programa de rádio que Deus não teria protegido as vítimas porque as orações foram proibidas no sistema público de educação dos EUA. Segundo notícia do Huffington Post, eis algumas palavras dele (em tradução livre):

“A pergunta irá surgir, onde estava Deus? Eu achava que Deus se importava com as crianças pequenas. Deus protege as crianças. Onde estava Deus quando tudo isso aconteceu? Aqui está a resposta: Deus não irá onde não é querido.

Nós passamos 50 anos dizendo a Deus para sumir, dizendo a Deus que nós não o queremos em nossas escolas, nós não queremos rezar em nossas escolas, não queremos rezar antes dos jogos de football, não queremos rezar nas formaturas…

Em 1962 nós chutamos as orações de nossas escolas. Em 1963 chutamos a palavra de Deus das escolas. Em 1980 chutamos os 10 mandamentos das escolas. Chutamos Deus de nosso sistema público de educação. E eu acho que Deus diria a nós: ‘Ei, eu ficarei feliz em proteger as suas crianças, mas vocês têm que me convidar para voltar a seu mundo primeiro. Eu não vou a nenhum lugar onde não me querem. Eu sou um cavalheiro.’.”

E ele não foi o único. Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas, fez declarações similares. Segundo Huckabee (em tradução livre):

“Nós perguntamos por que há violencia em nossas escolas, mas nós removemos Deus de nossas escolas. Deveríamos ficar tão surpresos que nossas escolas tenham se tornado um lugar de carnificinas?”

É bastante claro para mim os motivos que tornam importante que escolas públicas em uma democracia laica sejam locais religiosamente neutros, nos quais não haja a imposição de rituais de uma crença (no caso o cristianismo) a toda a comunidade que frequenta tal espaço (exemplo que deveria ser seguido pelo Brasil, diga-se de passagem). Por isso, fico incomodado com esse tipo de declaração estúpida vindo de pessoas que têm acesso a uma audiência considerável. Não duvido que eles realmente pensem dessa forma; não duvido que esses dois (e muitas outras pessoas, certamente) realmente acreditem que a divindade à qual prestam profunda reverência seja de tal forma psicopata e vingativa que em toda sua suposta onisciência e onipotência escolhe deixar que um maníaco invada uma escola pública e mate tantas pessoas, simplesmente porque seu saco não está sendo puxado diariamente.

Para mim, obviamente sequer faz sentido esse tipo de declaração. Sendo ateu, a própria noção de que algum deus pudesse, caso desejasse, intervir em tragédias já me soa absurda. Porém isso não é exclusividade de ateus e agnósticos. Muitos religiosos certamente concordariam comigo. Não é todo cristão, muçulmano, hindu, etc, que acredita que há uma mão celestial invisível que intervirá para evitar massacres, furacões, terremotos ou outro tipo de evento.

Todavia, não podemos desconsiderar que há muitas pessoas que pensam nessa mesma linha do Bryan Fischer e do Mike Huckabee, e como estes parecem ter acesso fácil a meios de comunicação para espalharem esse tipo de besteira, não me surpreenderia em nada que muitas vozes ecoem o que eles dizem e apoiem propostas que visem minar a separação entre religião e Estado, seja lá nos EUA, seja aqui no Brasil.

O que esses senhores fazem com declarações desse tipo é tentar criar um bode expiatório que leve a culpa por tragédias como essa, para assim tentar agregar apoiadores para suas pretensões teocráticas.

Sim, faz mal. E daí?

Vou pegar como gancho o texto da neurocinetista Suzana Herculano-Houzel, publicado na Folha de São Paulo hoje com o título “Maconha faz mal, sim“.

Infelizmente a autora começa o texto muito mal, construindo o que a meu ver é um espantalho desnecessário e, talvez, irreal. Cito as palavras dela:

“As revistas vivem requentando matérias sobre a maconha, sempre com um tom defensivo, ignorando evidências cada vez mais numerosas: “maconha não faz mal”.”

Posso estar enganado, mas não vejo um número muito grande de publicações impressas declarando que o consumo recrativo de maconha não faça mal. Eu sinceramente gostaria de ver alguns exemplos tão explícitos. Tirando algumas letras de músicas do Planet Hemp, confesso que foram poucas as vezes em que vi, li ou ouvi declarações do tipo “maconha não faz mal”.

Certamente vez ou outra aparecem publicações que argumentam que o consumo moderado dessa planta não faça tanto mal quanto se costuma alardear; ou que seja menos prejudicial do que o consumo de outras substâncias, como o álcool e o tabaco, por exemplo. Mas daí a chegar ao ponto que preocupa a neurocientista vai uma certa distância.

A colunista continua o texto e apresenta estudos que evidenciam malefícios que o consumo recreativo da planta pode trazer à saúde das pessoas, porém note-se que no primeiro trabalho fala-se em “consumo pesado”, enquanto o segundo fala em “uso continuado da maconha iniciado ainda na adolescência”. Ora, mas isso pode ser dito sobre uma gama enorme de substâncias, inclusive legais, que ingerimos, com o objetivo a alguma alteração de consciência ou não. A questão é que não deveria estar em pauta se a substância X ou Y faz mal à saúde ou não; o que deve ser discutido é até onde deve ir a mão do Estado para impedir as pessoas adultas de consumirem o que quer que seja. Vale lembrar que nenhum tipo de proposta tornaria legal o consumo de maconha por crianças e adolescentes, assim como fazemos para o álcool e o tabaco (claro, na prática isso não seria tão simples, mas se esse fosse um argumento válido deveríamos também proibir as bebidas e os cigarros). Portanto, a frase “maconha faz mal, sim” escrita em tom triunfante pela neurocientista sequer deveria ser ponto de argumentação.

Todavia, o texto termina com dois parágrafos que eu faço questão de transcrever e subscrever, concordando integralmente com esse final:

“Aproveito para registrar que sou contra a simples descriminalização da maconha, mas defendo a legalização desta e, aliás, de todas as outras drogas formadoras de vício.

Acho profunda burrice torrar o cérebro em troca de um barato –mas isso deve ser decisão pessoal de cada um –e sem financiar a violência que causa problemas para os outros.”

Observação necessária 1: Legalizar não significar “liberar geral”, mas sim regular a produção, distribuição, venda e uso, assim como já é feito no caso do álcool e do tabaco.

Observação necessária 2: Obviamente todas as campanhas que visem à prevenção do consumo devem continuar e, digo mais, serem ampliadas e revistas, de forma a alcançar mais pessoas com mais eficácia e efetividade. Não é porque é legalizado que deve ser incentivado com propagandas e afins. As pessoas têm que ser informadas sobre os riscos a que está sujeita. Nesse quesito, estamos realtivamente bem no caso do tabaco e muito mal no caso das bebidas alcoólicas.

Vale-Tudo na eleição do CRO-MG?

Sabe quando rolam todas aquelas baixarias nas eleições municipais/estaduais/federais e nós ficamos extremamente decepcionados?

Pois é. Ao que parece não está sendo diferente nas eleições deste ano para a diretoria do CRO-MG.

Acabei de ver a seguinte postagem na página da Chapa 1 no facebook (Cromg Avançar):

Bom, aí eu fui lá na página da Chapa 2 (Renova Cromg) pra ver o que seriam as “mentiras e inverdades”. Encontrei a seguinte postagem:

Ué, mas as duas chapas não estão falando a mesma coisa? A Chapa 1 não teve pouco mais de 40% (43,24% para ser exato) e a Chapa 2 não obteve os mais de 50% (50,20%)? Não entendi bem onde estão as “mentiras e inverdades”.

Haverá “segundo turno” para a eleição simplesmente porque não houve quorum para determinar um vencedor. O Regimento Eleitoral determina em seu art. 39, §1º, que se não houver o comparecimento da maioria absoluta dos eleitores deverá ocorrer nova eleição. E é por isso que haverá novo pleito. Não tem absolutamente nada a ver com “empate técnico”, como sugeriu a postagem da Chapa 1. Onde estão as “mentiras e inverdades”?

Estranhos em ninhos estranhos 2

Não achei que voltaria ao mesmo tema tão cedo. Mas eis que sou surpreendido com mais uma notícia bizarra, mais ou menos dentro do mesmo assunto que compartilhei no texto anterior.

Segundo notícia do Jornal de Piracicaba, um homem foi retirado do plenário da Câmara de vereadores da cidade pela Guarda Civil e pela Polícia Militar porque recusou a se levantar durante a leitura da bíblia no início da sessão ordinária. O site de notícias G1 detalhou mais o caso, e ficamos sabendo que o homem chama-se Regis Montero e é funcionário do Ministério Público.

Nas imagens disponibilizadas no site da Câmara é possível ver que o vereador André Bandeira começa a leitura da Bíblia quando foi interrompido pelo presidente da Casa, João Manuel dos Santos. Este pediu que Montero ficasse em pé durante o ato ou que se retirasse. Após uma discussão, o manifestante foi expulso à força do prédio.

O diretor jurídico da casa legislativa de Piracicaba, Robson Soares, disse o seguinte: “O ato da leitura bíblica está no artigo n° 121 do Regimento Interno. É algo presente nas sessões desde a criação do Legislativo piracicabano. Não obrigamos ninguém a acompanhar a leitura, mas que essa pessoa respeite as regras da Casa ou que se retire”.

Uma grande asneira, simplesmente porque não há no Regimento Interno da Câmara de Piracicaba qualquer referência à necessidade de se estar em pé para o momento de leitura da Bíblia. O referido art. 121 diz apenas o seguinte: “No início dos trabalhos o Presidente declarará aberta a Reunião, solicitando ao Primeiro Secretário para que faça a chamada dos Vereadores e ao Segundo Secretário para que faça a leitura bíblica”. Ou seja, o próprio diretor jurídico não sabe do que está falando, posto que o regimento só fala que haverá a leitura, não diz nada sobre qual posição deve ser adotada. Além disso, age da mesma forma que os personagens das notícias do meu texto anterior; não basta defender a prática religiosa em uma instituição pública, tem que obrigar todos a participar ativamente, os discordantes que se ponham pra fora.

Porém, o buraco é obviamente muito mais embaixo. Como bem declarou ao G1 o presidente da OAB de Piracicaba, a expulsão do cidadão “é inconstitucional, pois o estado brasileiro é laico. Ninguém pode ser impedido de acompanhar a sessão na Câmara por não ser católico” (ou cristão, ou por não ter qualquer religião). Na verdade, vou além; o próprio art. 121 desse Regimento Interno afronta claramente o inciso I do art. 19 da atual Constituição Federal, que é bem claro ao determinar que é vedado ao poder público “estabelecer cultos religiosos”. Ora, e não seria o momento de leitura bíblica um mini-culto religioso?

Para finalizar, compartilho as palavras do próprio Regis Montero, publicadas no Facebook:

“(…)

No dia 29.10.12, este assunto causou lamentável episódio na Câmara de Vereadores de Piracicaba, onde as sessões são iniciadas com a leitura da Bíblia. Nessa data, quando todos os demais se levantaram para o ato, um cidadão escolheu permanecer sentado, em silêncio, de olhos fechados, sem se mover. Por que terá feito isso? Quem será ele? O que será que ele pensa? Qual será sua religião?

Seria um budista que, diante da evocação de Deus, entrou em oração, conforme os mandamentos de sua crença? Seria um muçulmano, que percebeu que todos estavam de costas para a Meca? Seria um judeu, um espírita, um protestante? Seria, um católico, que, como as pessoas que cercavam Jesus durante o Discurso da Montanha ou na Última Ceia, ouviram as Palavras de Deus sentados e quis manter-se na mesma posição em que hoje Jesus, também sentado, está ao lado de seu Pai? Seria, quiçá, um ateu, que, mesmo não querendo participar do ato, permaneceu, com respeito e amor ao seu próximo, em silêncio sem incomodar o louvor de todos os outros?

Ninguém soube, pois ele sequer teve oportunidade de permanecer no recinto. Por ordem do Excelentíssimo Presidente da Câmara, homens da Guarda Civil Municipal e da Polícia Militar ali presentes o expulsaram da chamada Casa do Povo. Será que para esta Casa, povo é apenas o cidadão que tem religião? Mais do que isso, cuja religião cultua Jesus mas não reconhece Maomé, Buda e outras figuras sagradas? Mais ainda, que admite apenas uma forma de cultuar Jesus ou Deus, vale dizer, a sua, de pé?

(…)

Quando uma pessoa agride outra, seja lá por qual forma for, considera-se que houve uma violência, uma injustiça. Quando a agressão é feita com uso de meios que só uma das partes têm, a violência ganha requinte de covardia. O Excelentíssimo presidente da Câmara, por quem sempre terei incondicional respeito, mandou expulsar-me alegando que a regra estava prevista no regimento da Casa. Regimento que somente ele, por ser vereador, mas não eu ou qualquer outro cidadão, pode criar e modificar. Ou seja, a violência religiosa que sofri foi praticada com base em instrumento que só ele tem. Foi praticada contrariando a Constituição Federal e a Lei de Improbidade Administrativa, na frente de todos, na presença da imprensa, com transmissão ao vivo por rádio e televisão.

São reflexos deste nosso tempo, em que religião é praticada em parlamentos e política é feita em templos, como se nunca tivesse existido a passagem bíblica que diz dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus!

Já participei de cultos das mais diversas religiões. Jamais um ato meu atrapalhou qualquer desses eventos, mesmo que eu não concordasse com nada do que via, pois considero que a tolerância e o respeito às diferenças são não só fundamentais para a construção de uma sociedade livre e pacífica, como também uma grande oportunidade de se aprender com o próximo e, quem sabe, ser retirado do erro. E se algum vez, mesmo que na luta por meus direitos, uma só conduta minha for indigna desta cidade, humildemente me retratarei e reverterei a injustiça que tiver praticado, nem que isso exija minha despedida. Por que, então, impedem que eu, em paz e com repeito, permaneça da forma que me parece mais adequado às minhas crenças?

Tenho o mais absoluto respeito pela opção religiosa de cada pessoa, mesmo que com ela não concorde. Gostaria de receber igual tratamento dos demais. Não é esse o mandamento? ‘ama o teu próximo como a ti mesmo’?

Em futuras sessões da Câmara Municipal de Piracicaba, é possível que outras pessoas professem sua fé da maneira que lhe parecer mais adequado à sua crença. Ou, talvez, alguém prefira não participar de qualquer manifestação religiosa. Desde que todos sejam respeitados, a mim isso não representará incômodo. Porém, seu Presidente alega que o Regimento proíbe excluir-se das práticas religiosas escolhidas por esta Casa. Sua Excelência terá que escolher lealdade à norma que ele e seus pares podem modificar, ou à Constituição Federal, à Lei de Improbidade Administrativa, à Declaração Universal dos Direitos dos Homens e do Cidadão, à Convenção Interamericana de Direitos Humanos e, mais do que isso, ao respeito que, como cidadão e como cristão, deve a seu próximo.

(…)”

Estranhos em ninhos estranhos

Vez ou outra temos acesso a notícias que demonstram um pouco como ser ateu, agnóstico ou simplesmente não ter qualquer religião pode ser um fator de estranhamento (e em muitos casos, de discriminação explícita) por outras pessoas.

Por exemplo, em abril deste ano, como noticiado na Folha de São Paulo e reproduzido no Pavablog, chegou ao conhecimento público que em uma escola estadual da cidade de Irapecerica da Serra-SP ocorria diariamente um “pai-nosso” coletivo antes de se iniciarem as aulas.

Não é preciso ser nenhum gênio para atentar ao fato de que esse momento viola a laicidade estatal, indo de encontro ao inciso I do art. 19 da atual Constituição Federal.
Apesar disso, a prática já vinha ocorrendo a um bom tempo, e sem a qualquer suposição de que talvez eles estivessem errados; possivelmente por achar que não há nada demais nesse tipo de atividade, alguns funcionários da instituição ainda declararam que não havia obrigação em participar, que seria possível ficar em silêncio (sic). Essa declaração é, no mínimo, patética; óbvio que se pode ficar em silêncio, até porque seria impossível saber se todo mundo estava realmente rezando. Entretanto, a presença dos alunos era obrigatória, o que por si só já configura a compulsoriedade da participação, uma vez que apenas após a oração coletiva os alunos eram liberados para irem para as salas.

A situação só foi resolvida quando um aluno do 9º ano, de13 anos, que se declara ateu, se dispôs a reclamar. Esse aluno conversou com sua mãe e seu irmão mais velho, afirmando que se sentia constrangido com o olhar de reprovação dos colegas e professores diante do seu silêncio, o que os levou a reclamar formalmente junto à direção da escola, a qual respondeu que a prática foi autorizada “democraticamente” pela maioria das pessoas; algumas mães de alunos disseram que o momento reza foi combinado pela direção quando o ano letivo começou.

A diretora da época, que teve a iniciativa de implantar o “pai-nosso” obrigatório, não se pronunciou e orientou a reportagem a procurar a Secretaria de Estado de Educação. O órgão reprovou e proibiu a prática, afastou a diretora e comunicou que “A secretaria não compactua com o desrespeito ao preceito constitucional da laicidade do Estado e do ensino público, que acarreta o desrespeito ao direito de liberdade de escolha religiosa por parte dos alunos e familiares”.

Chama a atenção que com tantos adultos envolvidos (falo dos professores e demais funcionários da escola), foi necessário que um adolescente de 13 anos se indignasse e percebesse que seus direitos estavam sendo lesados para que a situação fosse corrigida. Na verdade, desconfio seriamente que o caso só chegou a essa resolução porque houve o envolvimento da imprensa.

Mas não achem que isso é exclusividade de terras brasileiras.

Em notícia publicada no último dia 24/10 no site do Paulopes, com informações da National Secular Society, foi divulgado que um rapaz de 16 anos teve um problema parecido na Irlanda. O adolescente registrou queixa na Comissão de Direitos Humanos do seu país contra a sua escola por ter sido obrigado a participar de culto “multi-denominacional” dentro de sala de aula. Segundo ele, durante o culto, Deus foi mencionado 28 vezes e Jesus, 6. Os alunos tiveram de cantar três hinos. Houve duas leituras da Bíblia e referências ao batismo e à eucaristia. O aluno solicitou ao professor que o deixasse sair da sala, pedido que foi negado. O aluno ficou sabendo que o diretor havia determinado que todos deveriam participar do momento ecumênico, incluindo ateus e agnósticos. Segundo o diretor, embora a comunidade da escola seja multi-denominacional, a maioria das pessoas é cristã (católicos e protestantes). Porém, nas próprias palavras do aluno denunciante, mesmo que estejam em maioria, os cristãos não têm o direito de forçar as demais pessoas pessoas a participar de seus ritos, aí inclusos os ateus, agnósticos, budistas, espiritualistas variados e até mesmo os próprios cristãos que porventura não queiram participar.

O que eu achei curioso é que nos dois casos as pessoas mentoras da prática de reza coletiva simplesmente não se incomodam em estarem desrespeitando o direito à liberdade de crença de crianças e/ou adolescentes. Afinal, para elas, não basta promover o ritual no estabelecimento de ensino; têm que definir como compulsória a participação de todos, sem distinção e sem qualquer respeito à liberdade individual.

Fico me perguntando, seríamos nós, ateus, agnósticos, céticos e sem religião uns estranhos nos ninhos, ou os ninhos que são deveras estranhos?

“Blasfemar” é um direito

O secretário-geral da Liga Árabe, Nabil al Arabi, defendeu perante o Conselho de Segurança da ONU a criação de um marco legal internacional e vinculativo que criminalize a blasfêmia. Esse tipo de proposta já foi feita anteriormente, e voltou à tona devido àquele vídeo que contém trechos do filme “A Inocência dos Muçulmanos”, agora já disseminado pela internet.

Como um bom diplomata, Arabi deixou claro que a violência por causa do vídeo “não é justificável de nenhuma maneira”. Porém a sensatez para por aí. Segundo ele, “queremos transmitir um aviso. Avisamos que ofender religiões, fés e símbolos é um assunto que ameaça a paz e a segurança internacional”.

Ora, há uma clara inversão nessa frase. Não é a ofensa a “religiões, fés e símbolos” que causa qualquer ameaça, mas sim as reações desproporcionais que vimos recentemente e que já aconteceram antes. Não é um cartunista que faz uma charge de Maomé que é perigoso; perigosas são as pessoas que o ameaçam de morte. Um diretor de filmes e os respectivos atores não são ameaças, mas sim os “manifestantes” que partem para a violência para fazerem valer a própria visão de mundo às demais pessoas.

O que parece não ser percebidos por essas pessoas é que o direito à liberdade de crença não pode se sobrepor ao direito à liberdade de expressão. Se eu resolvo desenhar Maomé, ou escrever que ele era analfabeto, ou fazer um filme retratando Jesus como doido de pedra, ou qualquer coisa parecida, não estou ameaçando o direito de ninguém em acreditar que Maomé é algum tipo de profeta superpoderoso ou que Jesus foi realmente o que ele dizia ser, um semideus. Por outro lado, se grupos religiosos ou Estados me impedem de dizer, escrever ou filmar essas coisas, há aí uma clara violação do direito à liberdade de expressão.

Além disso, quem define a linha divisória? Parece muito simples, não é? Basta que não se ofendam as “religiões, fés e símbolos”… mas, será que é só isso mesmo? Como Carlos Orsi chama a atenção em seu Blog:

Quando as pessoas começam a falar em leis contra a blasfêmia, eu fico me perguntando se elas realmente pensaram a fundo no que isso significa. Digo, ficando só nas religiões abraâmicas, o Novo Testamento é blasfemo do ponto de vista dos judeus (ao dizer que Deus tem um filho), o Alcorão é blasfemo para os cristãos (ao dizer que a crucificação de Jesus foi uma farsa), o cristianismo e o judaísmo são blasfemos para o islã (ao negar o papel de Maomé como profeta), o judaísmo é blasfemo para os cristãos (ao negar a divindade de Jesus) e o Livro de Mórmon provavelmente é blasfemo para todo mundo.

Então, bem, onde fica a linha entre blasfêmia e liberdade religiosa? Ou o verdadeiro critério é o número de pessoas que concorda com a sua blasfêmia particular, e o quanto elas estão dispostas a serem violentas?

Claro, nenhum direito é efetivamente irrestrito. Há limites. Todavia, tais limites devem ser muito bem pensados e aplicados, e destinados apenas a casos em que ocorra um real prejuízo a indivíduos e comunidades. Como escreveu para a Folha de São Paulo, em artigo republicado no site do Paulopes:

(…) mais complicado é arguir que Estados ou igrejas tenham poder para impedir que alguém expresse opiniões (ou as ouça ou assista) porque um contingente de devotos se sente ferido por elas.

Blogagem Coletiva: Legalização do Aborto

Hoje, sexta-feira dia 28 de setembro, é o Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto.

Como a maioria das pessoas deve saber, o aborto no Brasil ainda é criminalizado, exceto em 3 situações específicas: gravidez resultante de estupro (caso seja vontade da mulher), no caso de não haver outro meio para salvar a vida da gestante, e devido a decisão recente do STF, em casos de anencefalia fetal (novamente, caso seja vontade da mulher).

Mas ainda é pouco. A mulher ainda não tem autonomia total para tomar decisões que dizem respeito ao seu próprio corpo. Todavia isso não impede e nunca impedirá que ele seja praticado. E, com isso, aquelas que tomarem essa decisão ainda terão que se submeter a métodos clandestinos, perigosos e sem a devida atenção médica (caso não tenham renda suficiente para bancarem uma clínica particular de qualidade que realize o procedimento, que sabemos que existem debaixo de nossos narizes, ou uma viagem ao exterior). Recentemente, nosso vizinho Uruguai reviu a legislação sobre o assunto, e não vejo por que não deveríamos estar tomando o mesmo caminho.

Alguns passos à frente vêm tomando forma, mas não muito. Uma comissão de juristas foi instituída pela presidência do Senado para elaborar o anteprojeto do novo Código Penal, e vem discutindo a ampliação dos casos em que a lei brasileira não punirá o aborto. Ressalte-se que não se trata ainda da descriminalização ou da legalização da prática, mas tão somente da ampliação dos casos em que a mulher pode optar pelo aborto de forma legal. Dentre as possibilidades, encontra-se a seguinte:

Por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação (terceiro mês), quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade.

É pouco. Essa decisão pessoal da mulher não deveria ter que passar pelo aval de um profissional. A decisão é dela, e somente ela deveria ser capaz de decidir se quer ou não levar a gravidez adiante. Não se trata de ter condições (físicas, psicológicas, financeiras, etc) ou não; trata-se de querer levar a gravidez à frente ou não. A legislação brasileira deveria seguir àquelas em vigor nos Estados Unidos, Canadá e a maioria dos países europeus, ou seja, o direito ao aborto deveria ser garantido a qualquer mulher que assim desejasse até a 12ª semana de gravidez.

Termino esse texto com um trecho de um post anterior:

aqueles que são a favor da lei como está ou aqueles que se posicionarão a favor do novo texto talvez não tenham parado para analisar mais detidamente uma incoerência: como ser a favor do direito ao aborto em alguns casos e não o ser em outros? Afinal, estamos falando sobre o direito das mulheres sobre embriões; e estes têm, basicamente, as mesmas características, tenha sido gerado por um estupro ou por sexo consensual, seja fruto de sexo sem proteção ou falha de métodos anticoncepcionais, e assim por diante. Gravidez indesejada é gravidez indesejada, e deveria caber às mulheres a decisão de prosseguir com ela ou não.