Financiamento de curso de Homeopatia pela SES-MG

Texto também publicado no site do Desafio 10:23

Uma coisa que os defensores da homeopatia insistem em ignorar é que essa prática, pelo menos no que se refere ao uso de substâncias ultra-mega-hiper-diluídas, não é capaz de passar em testes científicos rigorosos. No blog do Desafio 10:23 foram publicados diversos textos embasando a ineficácia da homeopatia.

Todavia, infelizmente, não são apenas os praticantes da homeopatia que se negam a aceitar as evidências. Conselhos de classe são igualmente surdos para isso (em especial os de medicina, medicina veterinária, farmácia e odontologia). Gestores do Sistema Único de Saúde também se negam a aceitar as evidências científicas, haja vista a publicação, em 2006, de uma portaria do Ministério da Saúde que regulamenta essa prática (dentre outras) no SUS. E agora acabo de ver uma publicação no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais que parte da mesma ignorância científica (Deliberação CIB-SUS/MG nº 1.113/2012).

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) irá financiar um curso à distância denominado “Introdução à Homeopatia”, destinado a médicos, cirurgiões-dentistas, farmacêuticos e médicos veterinários do SUS-MG, com o objetivo principal de apresentar “as concepções da homeopatia e suas aplicações nas diversas áreas, contribuindo para a implementação da Política Estadual de Práticas Integrativas e Complementares no estado de Minas Gerais”. Segundo o projeto do curso, a previsão do custo é R$ 212.792,06 mais o curso de capacitação de tutores de R$ 20.818,75, totalizando R$ 233.610,81.

Chamou-me a atenção também um dos objetivos específicos do curso: “Promover discussão sobre a cientificidade da homeopatia.” (grifo meu). Ora, se fosse para discutir a suposta “cientificidade da homeopatia”, o curso terminaria logo no primeiro dia com a apresentação das fartas evidências que refutam tanto os pressupostos da prática como os seus supostos efeitos.

Infelizmente os praticantes da homeopatia se agarram a uma suposta eficácia comprovada pela “experiência clínica”. Todavia, como confirmar essa suposta eficácia se quando submetidos a condições controladas não se consegue diferenciá-la do efeito placebo, ou se os pacientes continuam mantendo tratamentos tradicionais concomitantemente (até por reconhecimento de homeopatas de que sua prática seria “complementar” e suspender de imediato os tratamentos convencionais poderia trazer conseqüências indesejáveis e até perigosas), o que torna meio complicado afirmar se a causa de uma eventual melhora se deve à homeopatia ou à continuidade do tratamento convencional, ou até se muitas doenças simplesmente desapareceriam ao seguir seu curso natural (afinal, todos temos sistema imunológico, e para muitos agravos só ele nos basta).

Um estudo muito citado por aqueles que se opõem ao uso e, em especial, ao financiamento público de práticas homeopáticas é a revisão publicada na The Lancet em 2005, a qual identificou que preparados homeopáticos não difeririam de placebos. Obviamente este não é o único e nem o mais recente. Por exemplo, um posto do blog RNAm traz mais duas referências importantes:

Renckens, C. (2009). A Dutch View of the ”Science” of CAM 1986–2003 Evaluation & the Health Professions, 32 (4), 431-450 DOI: 10.1177/0163278709346815: Avaliação do governo holandês sobre o subsídio de medicinas alternativas no período entre 1986 e 2003. Os poucos resultados satisfatórios foram atribuídos a pobres metodologias de análise como a falta de grupos-controle tratados com placebo. Alguns estudos relataram resultados negativos. Esses dados culminaram na suspensão da verba governamental destinada a práticas complementares.

Nuhn, T., Lüdtke, R., & Geraedts, M. (2010). Placebo effect sizes in homeopathic compared to conventional drugs – a systematic review of randomised controlled trials Homeopathy, 99 (1), 76-82 DOI: 10.1016/j.homp.2009.11.002: Esse estudo derrubou a hipótese de que os ensaios testando a validade clínica da homeopatia falhavam por apresentarem grupos-controle tratados com placebo que retornavam efeitos maiores dos observados em ensaios clínicos alopáticos. A conclusão foi de que os grupos-controle tratados com placebo dos ensaios homeopáticos não demonstraram efeitos maiores dos observados na medicina convencional.

Posso citar também um artigo publicado no The Guardian, no qual se lê: “Over a dozen systematic reviews of homeopathy have been published. Almost uniformly, they come to the conclusion that homeopathic remedies are not different from placebo.” (Tradução livre: “Mais de uma dúzia de revisões sistemáticas de homeopatia foram publicadas. Quase uniformemente, elas chegaram à conclusão que remédios homeopáticos não são diferentes de placebo”).

Enfim, essa foi mais uma conquista dessa pseudociência que vem cada vez mais ganhando espaço no nosso sistema público de saúde, a despeito das evidências de sua ineficácia.

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