Homeopatia na Scientific American Brasil

Foi com certa surpresa que vi um nota sobre homeopatia ao ler meu exemplar de abril/2012 da revista Scientific American Brasil. Transcrevo abaixo o que dizia a nota, sob o título “Eficiência Questionada da Homeopatia”:

Logo mais abaixo há uma transcrição da matéria

Pouco depois de ler essa nota, não me contive e enviei um email para a redação da revista, na esperança de vê-lo publicado no mês que vem para fazer um contraponto ao que foi divulgado. Segue o meu email:

A nota publicada na edição de abril/2012 sob o título “A eficiência questionada da homeopatia” pareceu-me  meio deslocada em uma publicação do porte e da qualidade da Sciam Brasil.

Ao longo dos anos acumulam-se evidências da ineficácia de ação dos preparados homeopáticos e da implausibilidade dos pressupostos dessa forma de terapia (cito, por exemplo, uma extensa revisão publicada na revista The Lancet em 2005, além de outras revisões disponíveis nas bases de dados científicas).

Apesar do tom crítico do título da nota, o texto em si é composto apenas de informações jogadas pela autora sem uma mínima apresentação de quaisquer evidências confiáveis. Cabe resslatar que apenas dizer que “pesquisas têm sido feitas” não diz muita coisa, haja vista não sabermos a qualidade metodológica das mesmas. Outra estratégia da autora é simplesmente atacar os agrotóxicos e as técnicas atualmente utilizados no controle de pragas e doenças agrícolas, como se os malefícios causados por estes venenos fossem motivo para, automaticamente, acreditarmos que a homeopatia tenha alguma eficácia.

E como não poderia deixar de ser, a autora ainda apela para os conceitos de “energia” e “física quântica” (já que com a química ela não pode contar) para fugir da constatação óbvia de que compostos homeopáticos são nada mais nada menos que água pura.

E eu não estou sozinho nessa. Houve até repercussão internacional, motivada por um email de um leitor brasileiro do site Science-Based Medicine. Felizmente o artigo que Hariett Hall escreveu se encontra disponível em inglês e em português, o que me fez publicá-lo no site do Desafio 10:23 e agora neste blog (reprodução na íntegra abaixo):

Autor: Hariett Hall

Fonte: Science-Based Medicine

Recentemente recebi um email de um dos leitores do SBM no Brasil, Felipe Nogueira Barbara de Oliveira, um aluno de Doutorado em Ciências Médicas e que possui Mestrado em Ciência da Computação e está tentando promover pensamento crítico e medicina científica no seu país. Ele me enviou uma cópia em .jpg de uma pequena matéria publicada na edição de Abril de 2012 da Scientific American Brasil. Ele ficou horrorizado que isso apareceu sob a alcunha da Scientific American, e eu também. A matéria é a seguinte.

Aviso: isto é doloroso.

Eficiência Questionada da Homeopatia

Aplicação dessa técnica à agricultura acena com recuperação de plantas e ambiente

A homeopatia é conhecida como tratamento alternativo para os seres humanos, mas poucos conhecem sua utilização em animais, plantas, solos e água. Essa técnica é alvo de críticas quanto aos resultados e eficácia. Uma delas diz respeito ao “efeito placebo” de seus remédios, que não contém nenhum traço da matéria-prima utilizada em sua confecção. Para responder a essa abordagem é necessário um esclarecimento: a homeopatia não se relaciona com a química, mas com a física quântica, pois trabalha com energia, não com elementos químicos que podem ser qualificados e quantificados.

A aplicação da técnica homeopática à agricultura não é recente, como a maioria das pessoas podem considerar. Um dos primeiros estudos feitos nessa área remonta à década de 20, com pesquisas em plantas realizadas pelo casal Eugen e Lili Kolisko, baseadas nas teorias de Rudolf Steiner para agricultura biodinâmica. Desde então muitas pesquisas tem sido feitas em países como Franca, Índia, Alemanha, Suíça, Inglaterra, México, Cuba, Itália, África do Sul e Brasil. Aqui a Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, é pioneira nessa área.

Não é preciso ser especialista em saúde ou em meio ambiente para perceber que o método convencional de tratamento de pragas e enfermidades na agricultura gera um desequilíbrio no ecossistema e, consequentemente, no ser humano. Agentes patogênicos e pragas vão adquirindo, com o tempo, resistência aos agrotóxicos – que, por estratégia de mercado, passaram a ser chamados de “defensores agrícolas”. Assim, a quantidade e a agressividade desses produtos químicos tem ser aumentadas para contornar essa situação, provocando um efeito cascata desastroso: o solo se torna mais pobre e diminui sua produção; trabalhadores rurais ficam gravemente doentes pelo manuseio constante desses produtos tóxicos; as águas, incluindo as subterrâneas, são contaminadas; e os seres que dependem dos frutos da terra recebem toda essa carga de veneno, desencadeando uma série de problemas de saúde.

Com exceção das indústrias de agrotóxico e fertilizantes químicos, quem mais se beneficia com a prática desses tratamentos convencionais?

Se Hipócrates pudesse reavaliar o seu principio dos contrários, representado pela alopatia, e suas posteriores conseqüências nos seres vivos e no meio ambiente, ele o excluiria suas considerações. Já a homeopatia como técnica sustentável, economicamente viável e ecologicamente correta torna-se imprescindível ao equilíbrio do planeta e à saúde de todos os seres que nele vivem.

Autora: Nina Ximenes, bióloga, é pós-graduada em educação ambiental.

É tão ruim que não sei nem por onde começar. Homeopatia não é nada mais que um sistema elaborado de distribuição de placebos. É baseado em pensamento mágico. Ciência básica nos garante que a homeopatia não pode funcionar como afirma (com água lembrando uma substância que não está mais presente e com soluções mais diluídas produzindo efeitos maiores).

E não há evidência confiável que possui algum efeito terapêutico em humanos, muito menos em animais, plantas, solos e água. Não tem nada a ver com física quântica: efeitos quânticos são significativos apenas nas escalas atômica e subatômica, e não explicam a afirmação da homeopatia que a água “lembra” a substância original, muito menos como essa memória poderia afetar a saúde. A afirmação que a homeopatia “trabalha com energia” é apenas imaginação, não demonstrada por evidências.

Rudolph Steiner foi um filósofo que criou o movimento espiritual chamado antroposofia. A ciência de Steiner é a tão chamada “ciência espiritual.” Medicina antroposófica e agricultura biodinâmica são dois ramos da “ciência” de Steiner que ainda são populares em alguns círculos, mas que foram perfeitamente caracterizados como pseudociência por verdadeiros cientistas. Se quiser saber mais sobre medicina antroposófica, você pode ler o que Dr. Gorski escreveu (em inglês) sobre isso aqui.

A autora usa uma linguagem inflamatória para fazer extravagantes  afirmações de danos de pesticidas e fertilizantes, sem nenhuma tentativa de prover alguma evidência para apoiá-las. Ela usa o termo “alopatia”, uma palavra pejorativa sem significado inventada por Hahnemann, o criador da homeopatia, para denegrir seus principais rivais. A autora refere-se ao “princípio dos contrários” de Hipócrates, uma distorção e simplificação de suas idéias. Hipócrates foi um homem esperto, e eu gosto de pensar que, se ele estivesse vivo, ele teria rejeitado a antiga teoria dos “quatro humores” e homeopatia, e teria adotado o método científico. A autora questiona “quem mais se beneficia” das convencionais práticas na agricultura. Eu argumentaria que há benefícios para pessoas que poderiam ter morrido de fome devido a escassez de alimentos se fertilizantes e pesticidas não tivessem funcionado para aumentar a disponibilidade de alimentos. Isso não significa que as práticas correntes não devem ser melhoradas e que não devem ser feitas com mais segurança, mas descartá-las de uma só vez e substituí-las por homeopatia dificilmente é a resposta!

Eu gostaria de saber se isso é algum tipo de sátira, mas eu acho que não. A matéria está na seção “Avanços” e com o rótulo “Saúde”. A autora está nos caçoando, ou ela realmente acredita que “a homeopatia torna-se imprescindível para o equilíbrio do planeta e à saúde de todos os seres que nele vivem”? Talvez ela esteja falando de algum planeta em um universo paralelo, ou dos sonhos dela. Se a Rainha Branca de Alice no Pais das Maravilhas tentasse acreditar nisso antes do café da manhã, o cérebro dela poderia explodir.

Se isso é o que se passa por ciência no Brasil, Brasil está em apuros. Aparentemente as coisas não mudaram muito desde que Richard Feynman teve seu encontro decepcionante com o sistema de educação brasileiro. No entanto, é claro que não é justo destacar apenas o Brasil, porque essas mesmas coisas acontecem em outros países.

Se isso é o que se passa por ciência para Scientific American, a revista é uma caricatura repreensível e deveria cortar a palavra “scientific” do seu título. No que os editores estavam pensando quando eles impuseram esse tipo de lixo aos seus leitores? Que vergonha!

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Nota do Editor: Em 05/04/2012, a Scientific American Brasil, por meio de seu editor-chefe, Ulisses Capozzoli, publicou no Blog da Sciam Brasil uma nota de esclarecimento chamada “Erro de Avaliação”. Segundo Capozzoli,

“Quando cometi o erro de avaliação a que me referi há pouco, atropelei o conteúdo conceitual: Scientific American, refletindo talvez a maioria das opiniões no meio científico, entende que homeopatia não é ciência.

Leitores indignados com minha avaliação enviaram e-mails à redação e abordaram a questão na rede social, o que permitiu que eu me desse conta da falha que havia cometido.”

O texto completo está disponível no Blog da Sciam Brasil.

11 Respostas para “Homeopatia na Scientific American Brasil

  1. Espero que a SAB explique ou dê o devido espaço para apresentar as evidências de que homeopatia simplesmente não funciona. Vai ver que foi espaço comprado na revista, sei lá…

  2. O fato de não existir uma explicação científica definitiva não invalida algo que tem apresentado resultados ao longo de anos. Esse tipo de medicamento tem sido administrado com sucesso mesmo em bebês, que ainda não podem ser influenciados psicologicamente.

    Na Europa homeopatia é receitada pela maioria dos médicos como qualquer outro medicamento. Informem-se sobre isso.

    Descartar a homeopatia é um erro até o dia em que não haja absolutamente nenhuma evidência da sua eficiência, visto que isso pode limitar as possibilidades de soluções nas pesquisas médicas.

    • Olá hildeberto,

      um dos problemas é justamente que os preparados homeopáticos não funcionam para além do efeito placebo ou quanto são descartados os estudos por falhas metodológicas. Informe-se sobre isso.

      Quer ajuda?

      http://bulevoador.com.br/2011/02/20316/
      “Cinco grandes meta-análises de testes de homeopatia foram feitas. Todas tiveram o mesmo resultado: depois de excluir testes metodologicamente inadequados e tratar vieses de publicação, a homeopatia não produziu nenhum benefício estatisticamente significante além do placebo.”
      Fontes:
      1 – Kleijnen J, Knipschild P, ter Riet G. Clinical trials of homoeopathy. BMJ 1991; 302: 316–23.
      2 – Boissel JP, Cucherat M, Haugh M, Gauthier E. Critical literature review on the eff ectiveness of homoeopathy: overview of data from homoeopathic
      medicine trials. Brussels, Belgium: Homoeopathic Medicine Research Group. Report to the European Commission. 1996: 195–210.
      3 – Linde K, Melchart D. Randomized controlled trials of individualized homeopathy: a state-of-the-art review. J Alter Complement Med 1998; 4: 371–88.
      4 – Cucherat M, Haugh MC, Gooch M, Boissel JP. Evidence of clinical effi cacy of homeopathy: a meta-analysis of clinical trials. Eur J Clin Pharmacol 2000; 56: 27–33.
      5 – Shang A, Huwiler-Müntener K, Nartey L, et al. Are the clinical effects of homoeopathy placebo eff ects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy. Lancet 2005; 366: 726–32.

      E mais esse: http://scienceblogs.com.br/rnam/2011/02/mais_informacao_homeopatia/
      Renckens, C. (2009). A Dutch View of the ”Science” of CAM 1986–2003 Evaluation & the Health Professions, 32 (4), 431-450 DOI: 10.1177/0163278709346815: Avaliação do governo holandês sobre o subsídio de medicinas alternativas no período entre 1986 e 2003. Os poucos resultados satisfatórios foram atribuídos a pobres metodologias de análise como a falta de grupos-controle tratados com placebo. Alguns estudos relataram resultados negativos. Esses dados culminaram na suspensão da verba governamental destinada a práticas complementares.
      Nuhn, T., Lüdtke, R., & Geraedts, M. (2010). Placebo effect sizes in homeopathic compared to conventional drugs – a systematic review of randomised controlled trials Homeopathy, 99 (1), 76-82 DOI: 10.1016/j.homp.2009.11.002: Esse estudo derrubou a hipótese de que os ensaios testando a validade clínica da homeopatia falhavam por apresentarem grupos-controle tratados com placebo que retornavam efeitos maiores dos observados em ensaios clínicos alopáticos. A conclusão foi de que os grupos-controle tratados com placebo dos ensaios homeopáticos não demonstraram efeitos maiores dos observados na medicina convencional.

      Há ainda vários textos no seguinte link: http://1023.haaan.com/?cat=1

    • Sugiro que leia sobre Hipotese nula

  3. Durante muitos anos doenças como epilepsia eram tratadas com rituais mágicos e exorcismo de espíritos malignos e, para seus praticantes, o resultado destes rituais era um sucesso.
    Será que não foi um erro invalidar tais tratamentos?
    Dizer que a homeopatia é “boa” por ser antigo não passa da falácia do Argumentum ad Antiquitatem.

    Assim como no Brasil, muitos países tratam a homeopatia como especialidade médica, mas isso não valida nada na homeopatia e não passa de outra falácia, o apelo a autoridade.

    Além disso, dizer que descartar a homeopatia é um erro até que não haja nenhuma evidência de sua eficiência é um tanto quanto problemático.
    Ciência não é feita assim, se a homeopatia afirma que pode curar, ela deve provar e não o contrário. Não existem estudos sérios que validem a homeopatia e, para uma “arte” tão antiga, se esta tivesse validade, já deveria ter conseguido provar.

  4. Já mandei inclusive um comentário ao Fale Conosco da Sciam Br.
    Olha só o que eu achei, uma entrevista dela no programa “Mulheres” :

    Eu realmente fiquei chocado com a presença desse texto nesta revista. Fui direto a um amigo biólogo pra ver se eu não estava “por fora” de alguma grande descoberta recente, e principalmente pra compartilhar o absurdo.

    Vergonha!

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  8. Sou leitor ávido do SBM, alias não conheço nada do nível Brasil. Não me surpreendi ao ver nosso páis retratado como divulgador de pseudociência. Oque mais me chamou atenção foi o fato de ter sido divulgado pela SA

    Vejo que aqui no Brasil não há abertura para discussão verdadeiramente científica nem nas melhores universidades. Recentemente discuti com uma enfermeira do Hospital do Cancer (HC – SP) sobre o absurdo do uso de acupuntura. Ao final da discussão acabamos discordando sobre ética/moral, porque ela percebeu que na parte cientifica tinha perdido

    Se ao menos as pessoas entendessem oque é ciência ou quem foi Karl Popper (entre outros). Teríamos a oportunidade de abrir os olhos das pessoas para a possibilidade de estarem sendo enganados ou auto-enganados

    Espero que o próximo dia de overdose homeopática seja maior e melhor que do ano passado. Só assim poderemos chamar a atenção da mídia e consequentemente das pessoas para a discussão

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