Arcebispo fala (besteira) sobre família e judiciário

É bom que certos líderes religiosos não tenham papas na língua e falem qualquer coisa que lhes venham à cabeça, afinal, a liberdade de expressão de todo cidadão deve ser defendida como um direito fundamental, o que nos dá, em certas ocasiões, a oportunidade de expor como alguns desses líderes são preconceituosos e, efetivamente, gostariam de alijar o direito daqueles que a eles não se subordinam.

Em entrevista ao site Sul21, o Arcebispo Dom Dadeus Grings, líder da arquidiocese de Porto Alegre-RS, falou algumas bobagens que ilustram o que escrevi no parágrafo acima.

Ao ser perguntado sobre a decisão do TJ-RS de retirar os crucifixos ostentados em suas dependências, o arcebispo disse que essa medida teria como objetivo “atingir a Igreja” e afirmou que “o Judiciário cortou sua última ligação com a sociedade brasileira”, já que esta “é profundamente cristã” e “aprecia muito os símbolos religiosos”. O “Don” ainda disse que essa decisão não passa de “faniquito anticlerical”.

Engraçado ele falar em faniquito, pois analisando bem as declarações dadas, parece-me que é justamente ele quem está fazendo muito barulho por quase nada. “Don” Dadeus até poderia reclamar caso o TJ-RS estivesse proibindo as igrejas de ostentarem crucifixos, ou ordenando a retirada de crucifixos de ruas e praças, ou impedindo os servidores do tribunal de utilizarem pingentes religiosos em suas correntinhas de ouro; mas obviamente não é esse o caso. O judiciário gaúcho simplesmente entendeu que em uma repartição pública os únicos símbolos que devem ser ostentados em paredes e áreas comuns são aqueles pertinentes à República Federativa do Brasil ou a seus estados/municípios membros, e não esta ou aquela peça de idolatria de uma determinada religião, independentemente da quantidade de fiéis que tal religião possua ou de estes supostamente serem maioria da população.

O “Don” continua seu ataque dizendo que “O pior de tudo é que os magistrados acolheram, perante uma larga maioria de cristãos, a opinião de um grupo muito pequeno de lésbicas“. Aqui ele demonstra que provavelmente tem uma visão muito equivocada de como se atua em uma democracia; cai no mesmo erro daqueles que ingenuamente acreditam que democracia é, simplesmente, fazer valer a opinião da maioria sobre a minoria. A análise do TJ-RS sobre o caso foi irreprensível, como pode ser conferido em um post sobre o caso publicado aqui no Bule Voador; democracia não é aceitar acriticamente o que a maioria pensa ou quer, mas sim tomar decisões baseando-se em argumentos como “o princípio democrático contramajoritário justificaria plenamente a defesa de eventuais minorias quanto ao abuso das práticas religiosas da maioria, especialmente as de raiz inconstitucional“, parte integrante do voto do relator da matéria no TJ-RS. Ademais, é completamente irrelevante quem ou qual entidade fez o pedido inicial; a decisão do TJ-RS foi baseada em argumentos defendidos pelo próprio TJ (na figura do relator), e não em alguma característica do solicitante.

Claro que “Don” Grings não se limitou a falar somente sobre o caso dos crucifixos no TJ-RS, e no meio da entrevista eis que aparece um clássico exemplo de declaração preconceituosa tão comum a líderes católicos. Disse o “Don”: “hoje passamos por um momento em que a família não é valorizada. Além disso, o Governo não tem apoiado a família. Agora, o Estado faz tudo que pode contra a família. Com a autorização do casamento homossexual e do aborto, o Estado contribuiu para eliminá-la por dentro. Então, a única instituição que defende a família é a Igreja“.

Como poderíamos esperar outra coisa? Eis que aparece a estapafúrdia relação “casamento homossexual levará à eliminação da família”. O arcebispo, tal qual outros líderes (e fieis) de sua igreja, é incapaz de enxergar o mundo para além da viseira que lhe cobre lateralmente os olhos; para esses, família é apenas aquela entidade tradicional formada por papai, mamãe e filhinhos. Não satisfeitos com essa visão estreita, ainda querem fazer valer a ideia absurda de que dois homens ou duas mulheres que se casem estariam, de alguma forma obscura que só faz sentido na cabeça deles, atingindo e levando à eliminação aquilo que se convencionou chamar de “família tradicional”.

Reafirmo que é bom que líderes religiosos como “Don” Dadeus emitam esse tipo de opinião; é provável que ele consiga convencer muita gente com as besteiras que ele fala, mas por outro lado cada vez mais há pessoas capazes de questionar esse tipo de opinião equivocada e preconceituosa.

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