Dar Esmola ou Dar as Costas?

Hoje, ao voltar para casa de ônibus, deparei-me com uma situação relativamente comum nos dias atuais: um jovem, negro, pobre pedindo ajuda aos “senhores e senhoras passageiros”, com aquele discurso ensaiado e repetitivo que todos nós conhecemos.

Entretanto, uma particularidade chamou minha atenção: o jovem, que deveria ter entre 20 e 25 anos, estava acompanhado de uma moça, aparentemente da mesma idade, e de duas crianças, uma delas parecia ter uns 3 anos e a outra uns 5 anos.

Como sempre faço nesse tipo de situação, tirei meus fones de ouvido, fechei a revista e fiquei prestando atenção no rapaz, que carregava o menino mais novo no colo e dava a mão para o mais velho. Claro que a cena foi muito bem armada para conquistar a simpatia dos passageiros, porém não o culpo, imagino que uma certa dose de manipulação seja necessária para amolecer os duros e gélidos corações que andam por aí.

Pois bem, assim que o camarada terminou seu discurso, sem pensar duas vezes, abri minha carteira para pegar minhas moedas e entregar-lhe, verifiquei que tinha por volta de R$ 2,00 e me levantei para lhe repassar, achando que seria um dos únicos a fazê-lo.

Eis que para minha surpresa, umas 6 ou 7 pessoas (e o ônibus estava relativamente vazio) fizeram o mesmo, alguns contribuindo com algumas moedas, outros com notas de R$ 2,00. Vi claramente um certo brilho em seus olhos, os quais começaram a se encher de lágrimas, e percebi um certo embargo em suas voz ao tecer seus agradecimentos àqueles que ajudaram, bem como aos que não puderam contribuir dessa vez.

Bom, mas o que me levou a escrever este post não foi o fato per si, mas a reação de uma jovem que estava sentada a minha frente. Logo que o rapaz virou as costas, ela olhou em volta começou a balançar a cabeça de um lado para o outro, em um claro sinal de reprovação, provavelmente tanto pelo ato de mendigar quanto pelo ato de esmolar.

Fiquei então pensando no que passara na cabeça daquela moça.

Provavelmente, se questionada sobre o que achava da situação, ela diria que é um absurdo carregar os filhos para pedir esmola; que o ato de dar a esmola não contribui para o crescimento da pessoa; que ela deve “aprender a pescar ao invés de receber o peixe”; que estávamos contribuindo para a acomodação daquele casal; dentre outros argumentos típicos de quem nunca passou dificuldades ou de quem não é capaz de se colocar na pele de outrem.

Como escrevi acima, vi em seus rosto e olhos e ouvi em sua voz o sincero agradecimento pela ajuda dada, mas também a vergonha de estar naquela situação. Talvez tenha sido influenciado pela imagem das duas crianças, ou talvez tenha lembrado que todos os amigos da minha infância que ainda conservo (todos moradores de um bairro rural e predominantemente de classe média baixa de Araruama-RJ), parecem-se muito com ele, jovens, negros, pobres e quase todos com filhos pequenos. Claro que há muito malandro pedindo esmola nas ruas e nos coletivos, mas acredito que a maioria quer trabalhar e conquistar sua autonomia, visando a acabar com esse tipo de humilhação tão logo lhe seja possível.

E não aceito o argumento de que há emprego sobrando para quem quer trabalhar. Ora, desde quando vivemos uma situação de pleno emprego no nosso país? Quem acha que o Brasil atual (e o de outrora ou o do amanhã) é capaz de oferecer trabalho e/ou emprego para 100% de sua população economicamente ativa está precisando colocar a mão na cabeça e os pés no chão, de forma a enxergar a realidade como ela é.

Como estamos em uma nação incapaz de oferecer as mais básicas oportunidades de vida para a esmagadora maioria de sua população, veremos por muitos anos ainda fatos como os acima descritos; tampouco haverá organizações não-governamentais (ou similares) em número suficiente para garantir o “empoderamento” ou a emancipação dos milhares de excluídos deste eterno “país do futuro”, o qual ainda se afunda (apesar dos avanços) no apartheid social cultivado há mais de 500 anos.

Termino este texto afirmando: continuarei tentando ajudar, finaceiramente ou de outras formas, sempre que possível, alguns daqueles que vierem a mim nas ruas e nos ônibus.

E só considero legítimas as críticas em relação a minha atitude se estas vierem de pessoas que realmente fazem alguma coisa (por menor que seja) para mudar a realidade social de pessoas que estão à margem dos avanços da sociedade comtemporânea.

“A desumanização não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam.” Paulo Freire

5 Respostas para “Dar Esmola ou Dar as Costas?

  1. Bem confesso que fiquei em dúvida, faço parte das pessoas que pensam que sempre há uma alternativa para ganhar dinheiro do que pedir( catar latinhas, papel,vender alguma coisa no sinal,etc…)mas de qualquer você me fez pensar…

  2. Quando achamos que as pessoas tem que correr atrás, se virar, produzir, enfim, tornar-se “alguém” na sociedade por conta própria, sem nos questionarmos e refletirmos sobre a real condição de existência dessas mesmas pessoas nos tornamos desumanos. Usando um jargão político/ideológico, se somos assim, somos neoliberais, egoístas e descompromissados com os outros. Nossa sociedade precisa, sim, de solidariedade. Por isso concordo com você Alex.

  3. Pois é Alex, saber como lidar nessas situações sempre é um grande desafio para mim. Também sou contra a esmola, mas acho que diferentes situações merecem diferentes condutas. Bom, da mesma forma que tenho um verdadeiro pavor de guardadores de carros em geral(lembre-se de minha briga com um deles.. rss) tenho a necessidade de ajudar em outras situações como essa relatada acima. Como saber quem vai comprar pinga, quem é malandro, e quem simplesmente não teve oportunidades ou está passando por uma situação difícil? Creio que nunca saberemos, mas agindo com o julgamento do coração temos mais chance de acertar e, sinceramente, no caso de ajudar um malandro, não será mais uma questão da nossa consciência. É difícil!

  4. Bem, esse tipo de situação é muito comum, na capital do Rio de Janeiro….Eu e meu esposo sempre damos aquele pequenos trocados (que hoje em dia, são grande) para os pedintes. Sem o pre julgamento se precisam ou não.
    Quando o percentual de emprego no nosso país, o que posso dizer é falta de “qualificação”, convívio com essa palavras diáriamente. Qualificação começa no primário, escolas municipais e estaduais sem estrutura para dar esse ponta pé inicial aos brasileiros em geral.
    “Vale reforça, os espertos Playboys da vida, precisam abrir o olho, porque a crise pega todo mundo!”

  5. Ei Alex,

    Cada situação pede uma avaliação diferente e não dá pra enquandrar tudo dentro de conceitos, a vida é dinâmica e quem é vivo, tem de acompanhar o movimento. O assunto é polêmico, mas concordo com vc que não dá pra se esconder atrás do discurso de que esmola é assistencialismo e não fazer absolutuamente nada, isso é acomodação e desumanização. Belo Post! Beijão!

Deixe um comentário